Na primeira frase do Evangelho desse domingo (MC 7, 31-37), dois destaques merecem nossa consideração. Primeiramente, vem assinalado que Jesus saiu de novo… (Mc 7,31). Sair, sair sempre de novo, é a constante da vida pública de Jesus. Estamos diante da identidade mais profunda, não apenas de Jesus, mas de Deus mesmo, do Pai. Ao longo de todo o Antigo Testamento, Deus aparece sempre saindo, vindo ao encontro do homem e de sua história, através dos Profetas e outros servos seus. E agora o faz pessoalmente, através de seu Filho muito querido. É o vigor do coração de um Pai apaixonado, que sofre vendo seus filhos errantes, distantes e fora de sua casa, porque se fizeram surdos e mudos diante de sua Palavra e de suas iniciativas.
Além do mais, também nos estranha que nesta saída, em vez da Judeia, sua terra natal, prefere percorrer a região dos estrangeiros e gentios, aqueles que, por muitos, eram considerados “seus inimigos”, uma vez que judeus e pagãos não se comunicavam ou não se entendiam. Mas, é justamente desses que Jesus vai ao encontro de modo simples, humilde e fraterno. Por isso, aqueles pagãos e israelitas decadentes de Tiro, Sidon, chamados pelos fariseus e maiorais de Jerusalém de “cães” e impuros, trazem-lhe um surdo, que falava com dificuldades, e lhe suplicam que lhe imponha a mão (Mc 7,32).
É a profecia de Isaías começando a se realizar: surdos escutam, mudos falam, cegos veem (Cf. primeira leitura de hoje).
A fé que Jesus não encontrava na Judéia, principalmente em Jerusalém, ele a vê, sente e acolhe entre esses simples moradores dessas terras de pagãos. Esses homens, representando toda a humanidade, sabem muito bem que eles não têm o poder para realizar a mencionada cura. Por isso, vão ao encontro de quem já estava vindo ao encontro deles. Bela esta sintonia e admirável esta reciprocidade! Está lançado o princípio da fé, da entrega, da confiança, do milagre. Por isso, eles pediram a Jesus que impusesse a mão sobre o surdo-mudo (Mc 7,32). Sabiam eles, implicitamente, que mais que a dimensão meramente física ou fisiológica estavam diante do mal maior, do mal de todos os males: seu afastamento de Deus e, por consequência, a incapacidade absoluta de, a partir de si, poder participar da alegria da festa do encontro, da comunhão com Deus, consigo mesmo, com os outros e com todas as demais criaturas.
Mas, em que consiste essa surdez, essa mudez originária? A tradição bíblica fala em desobediência, “não escuta”, mas que, na verdade, tem sua origem na soberba, isto é, na tomada de posição de Adão – de cada um de nós! – de colocar-se sobre, acima de Deus e de suas criaturas, querendo ser homem e Deus não a partir de Deus, mas a partir de si. Quem se coloca assim, acima de tudo e de todos, não ouve nem pode ouvir mais o grito dos semelhantes, muito menos dos pobres e doentes, dos abortivos e injustiçados, das crianças abandonadas e dos idosos esquecidos, da nossa irmã, a mãe terra que, silenciosa e humildemente, geme e sofre por causa dos males que lhe infligimos (Cf. LS 2). Assim, se quisermos caracterizar o estruturar-se da humanidade de hoje, poderíamos resumi-la com estas duas pequenas palavras: surda e muda.
Frei Dorvalino Fassini, OFM