Como no passado, também hoje, a Igreja precisa ser renovada, a Humanidade restaurada e a Criação amada, protegida e defendida. Mas, quem nos servirá de exemplo e modelo, quem será nosso mestre nesta ingente e urgente missão (LS 10)? “São Francisco de Assis! ”, responde nosso Papa Francisco. Na alegria e no júbilo, façamos, pois a memória desse admirável Santo que o Senhor nos deu! Um Santo que não é mais nem de Assis nem da Itália nem da Igreja católica, mas de toda a Humanidade e até mesmo de toda a Criação.
Começar por onde ele começou (Eclo 50,1.3-7)
Fazer de São Francisco modelo e exemplo de renovação e restauração significa, antes e acima de tudo, acolher a inspiração originária que o levou a feitos, obras, vitórias e glórias que cantam, encantam e admiram, ainda hoje, homens de todas as raças e credos. Por isso, precisamos começar por onde ele começou e não por onde ele terminou.
Segundo seus biógrafos, desde cedo ardia em Francisco o desejo de tornar-se grande, ilustre, conhecido e valioso para si e sua cidade, sua gente. Através de um misterioso sonho, porém, sentiu-se chamado a trocar os senhores desse mundo pelo “Senhor” de todos os senhores (Cf. LTC 6). Posteriormente, na capelinha de São Damião, ajoelhado diante de uma bela e expressiva imagem do Crucificado, ouviu Dele essa honrosa vocação e ingente missão: “Francisco, não vês que minha casa está se destruindo? Vai, pois, e restaura-a para mim” (idem, 13).
Desde então, o júbilo nascido desse encontro, dessa eleição e missão passou a ser não apenas a luz, mas também a paixão de sua vida. Falando desse mistério, assim se expressam seus biógrafos: ido ante a memória da Paixão do Senhor que, sempre enquanto viveu, levou em seu coração os estigmas do Senhor Jesus, como posteriormente apareceu claramente pela renovação dos mesmos em seu corpo, admiravelmente realizados e clarissimamente demonstrados (LTC 14).
Também São Boaventura nos conta como o grande Papa Inocêncio III viu no Pobrezinho de Cristo o cumprimento de uma visão cheia de enigma. Num sonho, o Pontífice vira a Basílica do Latrão prestes a ruir. Mas, um homem pobrezinho, pequeno e desprezado a sustentava, com as próprias costas por baixo para não cair. E, São Boaventura conclui seu relato atestando que o Pontífice, ao ver esse pobre, Francisco, disse: É esse, na verdade, aquele que sustentará a Igreja de Cristo com obras e doutrina (Legenda Maior 3,10).
Por isso, a primeira leitura de hoje, com justiça, coloca Francisco na companhia do grande Simão, um importante sumo sacerdote que, em seu tempo, comandou a restauração do Templo e fortificou a cidade de Jerusalém. Assim, a exemplo daquele homem de Deus, também Francisco aparece a nossos olhos como a estrela da manhã no meio da nuvem, como a lua nos dias em que ela está cheia, como o sol resplandecendo sobre o Santuário do Altíssimo, como o arco-íris brilhando entre nuvens de glória (Eclo 50,6-7).
Comentando essa passagem, o dominicano Mestre Eckhart diz que essa palavrinha como deve ser entendida no sentido de advérbio, isto é, como o modo de ser de quem está junto do verbo. E lembra que, na Sagrada Escritura, Jesus Cristo é chamado de o Verbo por excelência: No princípio era o Verbo (Jo 1,1). Daí, então, ele tira uma lição muito bela e importante para nós: todo cristão deve ser um advérbio, isto é, uma palavra que deve viver junto do Verbo. Alguém que, aos poucos, através de seu seguimento, busca encarnar o “como” de Cristo: ser “da mesma forma que” Cristo, “do mesmo modo ou jeito que” Cristo. E quem, depois de Nossa Senhora, mais e melhor percorreu esse caminho e alcançou a mais perfeita “assemelhação” com Ele senão São Francisco?!
Comentando tão inaudito mistério, assim se expressou o Papa Pio XI:
Parece que jamais houve homem algum em quem brilhasse mais viva a imagem de Jesus Cristo e em quem fosse mais semelhante a forma evangélica de viver do que em Francisco. Por isso, ele, que se havia denominado o ‘Arauto do Grande Rei’, foi com razão proclamado Outro Cristo, por se ter apresentado aos contemporâneos e aos séculos futuros como um Cristo redivivo; e, como tal, ele vive ainda hoje aos olhos dos homens e continuará a viver por todas as gerações futuras (Enc. Rite expiatis, 30.04.1926; AAS 18, 1926, p. 154).
A mesma lição nos é dada pela “estrela matutina”, que é a mesma “estrela vespertina”. E Mestre Eckhart comenta, de novo: mais que todas as estrelas, essa estrela está sempre igualmente próxima do sol; nunca está mais distante ou mais próxima do sol, nem mais nem menos. Ora, não foi assim com Francisco?! Ele foi o que seu próprio nome, “Francisco”, diz: um homem “franco” (“Francisco” vem de França > francês > franco) isto é, franqueado, desimpedido, desprendido, livre. E toda sua liberdade se consumou em desvencilhar-se do mundo e de seus senhores, para estar tão só e unicamente vinculado, preso a Cristo e sua missão pelo amor ardente, semelhante ao ardor dos serafins. Assim, Cristo, o Homem perfeito, o Homem de todos os homens, o Senhor de todos os senhores, o único Homem confiável, era o Sol que iluminava e acalentava Francisco na busca de seu novo humano; o humano que se estende a todos os homens e, até mesmo, às mais ínfimas criaturas. Por isso, as acolhia, todas, sem discriminação, com a carinhosa distinção e afetuoso trato de “irmãos” e de “irmãs”.
Frei Dorvalino Fassini, OFM