Pode parecer clichê a reflexão que traremos neste parágrafo para introduzir uma resposta sobre a sua vocação, mas é difícil falar sobre espiritualidade sem considerar a atual realidade e velocidade do mundo em que vivemos. O excesso de informação e de vida ativa facilmente nos impede de olhar o próximo com paciência e, principalmente, nos sequestra de nós mesmos, nos tira de si. Essas mesmas informações e supérfluas sensações de prazer nos removem da nossa própria verdade, nos distanciam da nossa essência, entregando uma falsa sensação de preenchimento que logo desencadeia uma sensação de vazio, que muitas das vezes é inexplicável em palavras.
Provavelmente você já passou ou está passando pela tal “crise existencial”. Em algum momento da vida nos questionamos o porquê fomos escolhidos: “Por que eu nasci e não o outro?”, “O que há de tão especial na minha existência?”. É comum, também que, junto a esse sentimento, venha uma sensação de vazio quando não conseguimos formular uma resposta ou um propósito para nossa vida. Então convidamos você a refletir sobre esses momentos de questionamento; como e por onde caminham seus pensamentos nos momentos de reflexão e em qual estado de espírito você se encontra para tal atividade.
Deus nos chama para conhecê-lo
Não podemos descartar uma dúvida comum, que surge no momento de reflexão sobre a vocação religiosa: normalmente não se entende, com clareza, a diferença entre vocação, profissão e dom e, para isso, convidamos você a ler o artigo “Como identificar a vocação religiosa”, no qual explicamos, com mais detalhes, as características que distinguem vocação e profissão. Esse entendimento é importante para o momento de discernir o chamado de Deus.
Tão importante quanto entender sobre a essência da palavra vocação, é compreender que Deus está no nosso interior e, quanto mais nos aproximamos Dele, mais clareza teremos em nossas escolhas. Contudo, como já citamos no início desse artigo, muitas são as influências que nos distanciam da Verdade, ao longo de nossa vida, sendo um grande desafio a busca para recuperar ou tomar consciência sobre a nossa essência pessoal. Quando essa é alcançada em sua plenitude, você finalmente entende e sente a presença de Deus de uma forma única.
Em caso de dúvida, se você é digna de receber o chamado de Deus, São Paulo acalma o nosso coração, explicando que trazemos em nossos corações o esplendor da Luz de Deus, que se reflete na face de Cristo.
“Porque Deus que disse: ‘Das trevas brilhe a luz’, é também Aquele que fez brilhar a sua luz em nossos corações, para que irradiássemos o conhecimento do esplendor de Deus, que se reflete na face de Cristo. Porém, temos este tesouro em vasos de barro, para que transpareça claramente que esse poder extraordinário provém de Deus e não de nós.” 2 Coríntios 4,6-7
Se, ainda assim, você carrega dúvidas sobre a sua missão, nesse mesmo capítulo, Paulo nos diz: “Animados desse espírito de fé, conforme está escrito: Eu cri, por isto falei (Sl 115,1), também nós cremos, e por isso falamos. Pois sabemos que Aquele que ressuscitou o Senhor Jesus nos ressuscitará também a nós com Jesus e nos fará comparecer diante dele convosco. É por isso que não desfalecemos. Ainda que exteriormente se desconjunte nosso homem exterior, nosso interior renova-se de dia para dia.”
Como saber se é Deus revelando seu chamado?
A maior provocação que recebemos, em momentos de reflexão e exercícios espirituais, é conseguir desvencilhar o entendimento concreto das palavras, sentimentos, ensinamentos e, no lugar, discernir o que Deus está nos revelando e ensinando.
Talvez você já tenha lido passagens bíblicas que não conseguiu compreender ou até estranhou a mensagem que você interpretou das palavras de Jesus. É muito comum esse fato e até os discípulos de Jesus questionavam o seu jeito misterioso de ensinar. E assim ele respondeu:
“Mas aquele Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas, e vos fará lembrar de tudo quanto vos tenho dito.”Jo 14,26
É pela força da oração que você conseguirá distinguir, entre as diferentes vozes que ressoam em seu coração, aquela que vêm de Deus e lhe aponta um caminho novo. A PAZ que você sentirá em seu coração, é a confirmação de que essa é a vontade de Deus a seu respeito.
Testemunho – História de uma Vocação
A origem da minha vocação, meu primeiro toque, aconteceu quando eu tinha uns 12 anos de idade e morava em Sorriso, MT. Foi assim: estava ensaiando uma apresentação para homenagear o Pe. Gaspar, 1º padre da cidade, que estava de aniversário. Quem ensaiava era a Ir. Lidiaines, da Congregação das Irmãs de Jesus Adolescente. Falei para a Irmã que eu tinha uma Irmã que se chamava Lídia e era Irmã Franciscana. Ela me perguntou: e você, nunca pensou em ser Irmã? Fiquei sem resposta porque nunca imaginei viver longe da minha família. Mas a pergunta permaneceu na minha memória e no meu coração. No domingo, fui à missa e, quando estava entrando na igreja, tocava a música do Pe. Zezinho: “Se ouvires a voz do vento, chamando sem cessar, se ouvires a voz do mundo, querendo te enganar. A decisão é tua! …” Fiquei com a frase: a decisão é tua… Sim, a decisão é minha, preciso decidir o que quero da minha vida e isso tem a ver com Deus.
Passou um tempo, minha Irmã Cida foi fazer um curso de Cantos Litúrgicos na cidade de Sinop – MT, sede da Diocese a qual Sorriso pertence. Encontrou-se com uma Irmã Vicentina, chamada Irmã Inês e disse que sua irmã mais nova queria ser freira. Não me lembro de ter dito isso a ela, mas, voltou do curso com um kit vocacional, santinhos, livros de oração, terço… que me acompanharam por alguns anos. Até pensei em procurar aquela Congregação, porque Sinop era muito mais perto do que Ponta Grossa – PR, onde minha irmã Lídia, religiosa, morava.
Nesse período, minha irmã Lídia veio de férias e me convidou para ser Franciscana de Ingolstadt, levou meu nome para Ir. Maria Helena Millen, que encaminhou uma carta reforçando o convite, dando orientações sobre o que poderia fazer para entrar na Congregação, em Ponta Grossa.
Nessa época, eu tinha 14 anos e minha família não tinha dinheiro para uma pessoa responsável me levar, então fiquei mais um ano em casa, trabalhando de doméstica, para ganhar o dinheiro da passagem e enxoval. Aos 15 anos, minha irmã Maria foi para Sorriso – MT e então viajei com ela para São Paulo, depois para Ponta Grossa. Enfim, estava na Congregação das Franciscanas de Ingolstadt, na primeira etapa de formação. Um dia após a minha chegada, houve uma festa de “carnaval” na qual estavam presentes muitas Irmãs, postulantes, noviças e juvenistas. Elas estavam muito felizes e alegres, fiquei encantada com a convivência. Tudo isso me agradou muito porque pensava que a Vida Religiosa não tivesse risos e momentos de se divertir.
Minha vocação continuou no convívio, na formação, estudos e numa busca incansável de conhecer esse Deus que aguarda da minha pessoa uma resposta. Muitas Irmãs marcaram minha vida nesse período e sou sempre grata! Foram as primeiras irmãs com as quais convivi. Nesse período, também li muitas histórias de santos(as) e dizia para mim mesma: “Se for para ser Irmã, quero ser santa!” isso me acompanhou por alguns anos, mas me sentia cada vez mais distante desse objetivo.
Nos períodos do Postulantado, Noviciado e Juniorato vivi um tempo de muitas incertezas do que queria e me sentia sempre mais superficial e distante do que realmente desejava responder a Deus. Parecia que nada tinha graça, tudo era feito sem sentido. Foi nessa fase que comecei um acompanhamento com terapias psicológicas e trabalhos pessoais. Foi também quando cursei Licenciatura em Artes Plásticas, na Faculdade Santa Marcelina, encontrando um outro mundo e experienciei uma mistura muito grande de humano e divino, no convívio com estudantes de artes, professores, artistas… E assim, minha alma se abriu para uma busca mais intensa de Deus, a partir do Belo e da Verdade. Isso gerou muitos sofrimentos internos mas, mesmo assim, buscava a fidelidade na oração e na vocação. Frei Wilson Steiner foi um orientador espiritual que me mostrou a espiritualidade Franciscana e que é possível ser Irmã fraterna. Conheci Frei Pedro Pinheiro, grande artista franciscano, e Maria Perez de La Sola que me ajudaram a integrar arte com espiritualidade franciscana e essa busca foi constante.
Certo dia, fui ao Santuário Nossa Senhora Aparecida, acompanhar uma família alemã, benfeitora da Cidade da Criança. Quando estava em frente à imagem da Santa, me senti tão olhada, tão olhada, tão olhada! Foi o mais intenso olhar que tive na minha vida. Veio em minha mente a música de Renato Teixeira: “Como não sei rezar, só queria mostrar, meu olhar, meu olhar, meu olhar!” Naquele momento, o olhar era dEla!…
Participei de um retiro fazendo a experiência do verdadeiro Silêncio e, nesse retiro, consegui me entregar por inteira para os exercícios espirituais inacianos, estava faminta e sedenta. Refletindo o evangelho de Zaqueu, me veio a seguinte pergunta: Se Zaqueu, Maria Madalena, Francisco, Clara… se encontraram com Jesus e mudaram de vida, por que eu não posso também mudar de vida? Por que não posso me encontrar com Ele? Internamente senti que, verdadeiramente, eu queria me encontrar com Jesus! Só isso! Encontrar-me com Jesus. Isso me trouxe muita força, e vigor.
Fui convidada a fazer um retiro inaciano de 30 dias. Agradeço, minha Congregação por ter permitido essa experiência. Foi uma mudança completa na minha vida. Nunca parei de buscar esse encontro com Cristo. O retiro de trinta dias me transformou. Então passei a conviver com uma mulher francisclarinaciana. Essa mistura ainda me persegue, nutre e, ao mesmo tempo, convivo numa forma de buscar ser Irmã. “A decisão é tua!” Decidi ser uma pessoa agradecida, uma serva de Deus.
Essa é a história da minha vocação, cheia de busca, perguntas, encontros e desencontros. É uma forma de SER, pessoa, mulher, beguina, franciscana, com umas pitadas de clarissa e inaciana. E buscar o sentido da vida fazendo CAMINHO.
Minha vocação é um caminho, uma busca constante, na presença de Cristo, seguindo os passos de Francisco e Clara, com a mais perfeita Mãe e Mestra, Maria.
Irmã Inês Santos Nascimento
Mestra de Noviças em Luanda – África
Diante dessas palavras e testemunho, convidamos você a fazer um exercício de introspecção e busca da sua verdade. Invoque a luz do Espírito Santo para, finalmente, conseguir encontrar sua vocação e entender o chamado de Deus para a sua vida.