“Quando Isabel ouviu de Maria, a criança pulou no seu ventre e Isabel ficou cheia do Espírito Santo”. A grande e boa notícia da Anunciação não levou Maria a ensimesmar-se e a submergir-se numa reflexão estática do Mistério que se desenvolvia em seu ventre. Pelo contrário, moveu-a a colocar-se prontamente e com pressa em caminho: “levantou-se, dirigindo-se apressadamente à região montanhosa”.
De onde brota tanta prontidão? O caminho interior, que começou com um chamado de Deus, não é um caminho reto e plano, mas serpenteante e tortuoso, interpelador e cheio de novidade. O anjo deixou Maria motivada para empreender uma nova etapa em sua vida através do encontro com sua prima Isabel. Está claro que a Anunciação estava pedindo Visitação desde o primeiro momento. Maria, a quem foi anunciada, corre a visitar para anunciar.
O ícone da Visitação, com o forte abraço de Isabel e Maria, nos ajuda a entrar e interiorizar o tempo do Advento, com sua mensagem esperançosa, aberta ao novo. Lucas nos diz que o AT chegou a seu fim, já não pode gerar mais vida. Isabel representa a “travessia” porque está aberta às surpresas de Deus. Zacarias, no entanto, representa o antigo, é o incrédulo diante da grande novidade que Deus lhe abre. Por isso, ele é representado como mudo; sua fé está adormecida, ancorada em um passado. O primeiro testamento já não tem mais nada novo a comunicar. Isabel, embora sendo estéril biologicamente, permanece aberta a deixar que Deus presenteie o novo em seu ventre.
Na Visitação, Lucas revela a centralidade do feminino para emudecer Zacarias da lógica e das garantias. Ao recuperar o feminino, realça-se a perspectiva do Amor acima da razão; Isabel, apesar de sua esterilidade e velhice, abre-se a um projeto que vai além do natural.
O sacerdote Zacarias, no entanto, está mudo e ausente do relato da Visitação; ele não tem nada que dizer, enquanto sua mulher, idosa, estéril e não considerada, crê, e seu ser se enche de vida. É o início do Novo Testamento. Isabel faz de mediação entre a instituição e a profecia que anuncia a vinda do Messias.
Os varões (sacerdotes, escribas, fariseus…) também permanecem silenciosos, ficaram mudos como Zacarias. No fundo, todos eles têm medo do Messias.
Maria, com sua inocente e profunda sabedoria, enquanto descobre seu ser habitado, recebe a notícia de que também sua prima anciã está gestante; com a força e a prontidão próprias de pessoas guiadas pelo Espírito, “ela se pôs a caminho, dirigindo-se com toda pressa às montanhas”. Deixa seu lar, sua segurança, se desinstala… Não perde tempo considerando o esforço que este deslocamento para as montanhas implica. O serviço é urgente. O caminho que ela deve percorrer é símbolo de outra forma de viver.
Maria poderia recorrer ao Templo e relatar aos sacerdotes a passagem de Deus por ela; mas, atenta a seu interior habitado, descobre que é guiada a “outros lugares sagrados” onde a presença de Deus se revela surpreendente através de uma mulher considerada estéril, fora dos rituais vazios do passado.
Entra na casa de Isabel, dá-se o encontro e o reconhecimento. Visita que faz explodir a alegria entre ambas. Elas se acolhem, se abraçam… “e eles se movem em seus ventres”. Há esbanjamento de vida. Nessa casa, pratica-se a hospitalidade, a acolhida entranhável, o cuidado, a palavra justa e a escuta infinita… Maria é hóspede, ao mesmo tempo que hospeda o Mistério em seu ventre.
Na cena da Visitação, Maria não só reconhece a Isabel, mas também é reconhecida por ela. Encontram-se frente a frente as duas mulheres, levando em suas entranhas o segredo de Deus, o presente e o futuro da vida.
Um duplo reconhecimento, que os pintores souberam expressar maravilhosamente apresentando as duas mulheres colocando mão sobre o ventre uma da outra. Gesto de profundo reconhecimento: o que está acontecendo em seus ventres só pode ser surpresa de Deus. Com certeza, este reconhecimento é o segredo de toda a alegria e de toda a luz que dimana desta Visitação; reconhecimento que consiste no ato de abraçar, beijar, tocar, constatar, acolher…; mas reconhecimento que é também gratidão, ação de graças, agradecimento que as invade diante do Dom de Deus.
O “futuro precursor” cresce nas entranhas de Isabel e recebe ali, em clima de exultação, a certeza de que se cumprem as antigas esperanças; por isso salta, bailando de alegria, no ventre mesmo de sua mãe.
Agora Isabel “bendiz”: como mulher emocionada, satisfeita, contempla Maria e não tem inveja dela; recebe o dom ou graça que provém do Senhor (do Filho de Maria) e o agradece; por isso, com palavra clara, culminando o Antigo Testamento e tomando a palavra dos sacerdotes de seu povo (já mudos, como o mostra Zacarias), ela bendiz a Mãe messiânica e o fruto de seu ventre que é Jesus.
Maria se deixou encher pela benção e bem-aventurança de sua prima. Não tem nada que acrescentar, não deve explicar ou comentar coisa alguma, pois tudo é claro. Simplesmente consente.
Concluímos afirmando que o ícone por excelência de Advento é o da uma mulher gestante. A vida que está pulsando nela é imagem para que compreendamos e tomemos consciência de que todos estamos implicados nessa gestação. Somos convidados a entrar nesse silêncio habitado, para experimentar, em uníssono, o pulsar do divino em nós, dentro de nós. Deus “pula de alegria” em nosso interior quando abrimos espaço para sua presença e sua ação em nossa vida.
Podemos considerar o encontro das duas mulheres, grávidas da Vida, como um “abraçar o passado” para despedi-lo, deixá-lo ir porque já está estéril, e acolher o futuro, a comunidade de Jesus que Maria está gestando. Se, com profunda gratidão, nos despedimos do passado, evoluímos para um presente-futuro em contínua mudança, em contínuo processo para a Vida.
O autêntico Advento vai além da espera, é gestação; não é só a arte de viver despertos e mobilizados, é gerar em nosso interior “algo novo” para entregar ao mundo que, gritando, pede de nós uma presença compassiva e servidora.
O que gestamos em nós deve ter a feição do amor invencível, do amor valente, do amor capaz de romper fronteiras, de superar os ódios, de quebrar as distâncias, de aplainar os “egos inflados”. Gestação de vida, de esperança, de paixão por um mundo diferente.
A Igreja precisa de seguidores(as) “gestantes”, não só de fiéis “expectantes”.
Deus dança em nosso interior quando sentimos o impulso para o outro, o despertar de nossos desejos mais nobres, o emergir de sonhos adormecidos, nosso espírito criativo, nossos sentimentos oblativos… Muitas vezes, é preciso uma presença inspiradora de alguém, também “carregada de Deus e de espírito serviçal”, que nos visite e faça saltar tudo o que é mais “humano” em nós, o “João” que todos carregamos.
Tudo isso nos enche de alegria serena, de esperança benfazeja, de generosidade aberta…
Pe. Adroaldo Palaoro